quinta-feira, outubro 27, 2011

Assinado eu.



Lembro de uma fixação latente por mãos. Talvez ela nem saiba que tem mãos ansiosas. Ela não quer saber de uma porção de coisas. Talvez saiba demais. Talvez eu a tenha deixado saber demais. De boca fechada, meus olhos gritam mais alto que o barulho da tevê que ilumina o quarto. Lembro de fechá-los por vontade própria, a fim de que ela não me visse despido de tudo que eu crio pra que ela não preste muita atenção em mim.
Distrações. Uma grande orquestra tocando uma pequena canção. Detalhes singelos que ganham proporções quase épicas. As mãos ansiosas. Lembro de jogar pedras naquela janela para, quem sabe, enxergar através das brechas algo que me mostre que eu não sou o único perdendo a razão aqui, nesse sofá. Sinto que somos como dois carrosséis que giram em sentidos opostos. Eu não quero saber o que acontece quando estamos de costas um para o outro.
Há pouco estávamos aqui, enxergando um ao outro de uma distância que pode ser medida com os dedos de uma mão. Em meu carpete, marcas de sapatos que viajaram o universo procurando sentir aquilo. E eu senti tudo aqui, quieto. Fechava os olhos sempre que sentia os meus pensamentos tentando saltar através das órbitas. Tive medo de vê-los derramados pelos lençóis, de vê-la olhando atônita para aquilo tudo, como se não fosse capaz de ouvir os meus olhos gritando.
Já tive sentimentos imensuráveis. Imensurável também era tudo que vinha agregado ao fato de sentir algo que não cabe no peito. A orquestra foi perdendo, aos poucos, seus membros mais importantes, até que o desfalque era tamanho que me feria os ouvidos. Uma desafinada sinfonia, sem melodia nem cadência, conduzida por um maestro que não está mais lá. Hoje minha filarmônica ensaia um movimento diferente, que eu tento chamar, mas não consigo, de distração. Uma grande orquestra tocando uma pequena canção.
E a música dela é nova, é rara, é curta, e quase nunca toca no meu gramofone. Mas é no mesmo tom da minha. Ela parece não saber que cada nota ficou na minha cabeça, como uma partitura escrita pelas paredes da minha casa. Ela parece não querer saber. Mas cá estou eu, sempre falando um pouco demais.
Porra, guria. Porra. Quem te escreveu assim?

Por ti e por você.



Quantas vezes desviei o olhar, simulei estar procurando alguém por entre você. Mexi no cabelo, mordi os lábios, tudo porque talvez não pudesse te responder o que eu realmente pensava.
E no teu silêncio sonoro, quantas outras vezes te procurei por escrita digitando e apagando, perdendo tempo ao trocar o ‘você’ por ‘ti’ e o ‘ti’ por ‘você’. Quer dúvida mais idiota?
Me desculpe, mas sinto dizer que estive colocando-o a teste. Quando você pediu ‘fica’ eu quis ir e fiquei só para confirmar que estava certa. E eu estava, deveria mesmo ter ido.
Já deveria ter aprendido a confiar mais na minha desconfiança, mas aí você fica martelando na minha cabeça… E a simples lembrança de vê-lo sorrindo e me tomando nos braços, compromete toda a armadura.
Queria estar coberta de razão quanto a todo o restante e, dessa vez, por uma única vez, estar absolutamente enganada quanto a ‘ti’.

O certo e o incerto, a gente vai saber.



Tenho um sincero apego a tudo que me arrebata e esse tudo, no caso, é tão pouco.
Talvez eu pedisse pra minha vida ser sempre uma via de duas mãos; talvez eu quisesse dormir e acordar balbuceando reciprocidade, só pra variar um pouco. Talvez eu quisesse que fôssemos bons um para o outro e não somente o outro pro um. Acho que gostaria de perder mais tempo contigo, seria bom perder a noção dele também. Queria que você quisesse saber quem eu sou além da casca, por dentro, lá no fundo. E então eu te contaria que quis ser veterinária, que o meu pai é a pessoa que mais amo no mundo e que várias vezes quis ouvir tua voz mas não liguei. E te diria que o meu peito ainda dói, mas que ele sabe amar. Queria que você não tivesse medo de me dizer quem é além do supérfluo e que parasse de fazer as coisas só porque quer me agradar. Queria te ver perdendo o controle um pouco, queria que você se perdesse um pouco mais em mim.

Queria te ver não racionalizando.
Queria vincular teu nome a um pronome possessivo.
Queria que você quisesse, porque eu finalmente deixei alguém entrar.

Todas estrelas estão desaparecendo.



Cansei de lutar contra mim mesmo, pois já me cobrem o corpo feridas em diferentes fases de cicatrização. Aqui estou, pronto para me aplicar com mais algumas doses cavalares de você, se assim me permitir. E eu já não mais vivo sem essa morfina que eu batizei com o teu nome, há alguns meses atrás.

Epifanias III.



Será que existe algo mais emocional do que optar por ser racional, por medo de errar novamente? E o que é mais racional do que permitir que essa emoção guie cada um dos nossos passos? Às vezes são tão altas as vozes de fora, que a gente acaba não ouvindo o peito gritando. O meu peito é que gritou alto demais, calando as vozes de fora. Epifania. Compreensão súbita. Era como se estivesse tua imagem estampada em tudo que vejo. E aquela presença permanente no meu pensamento me fez percorrer a extenuante e perigosa trilha que me leva de encontro a ti.

Complexidade mal entendida.



Ela o amava. Sem complexidades ditas ao silêncio dos olhos ou dilacerações ao luar. Amava-o só pelo prazer de amar. Quando estavas, vivia de sorrisos. Quando não estavas, simplesmente vivia. Ele a amava. Sem temor de ser garoto demais para tanto mistério que irradiava dela. Amava-a para ter paz. Nela via toda a cor de um mundo onde tristeza não era bem-vinda, e ficava por lá, sereno, feliz. Não havia buquê de rosas espalhados pela sua casa, tampouco cartas apaixonadas escondidas na cabeceira da cama. O amor deles era assim, manso. Vezenquando uma batida forte na janela faziam pratos voarem e gritos ecoarem pelas paredes da sala - para logo depois transformar-se em afagos de perdão. O amor deles era assim, intenso. Quem os observava caminhando pela rua com as mãos entrelaçadas, ou sentados com os braços roçando de tão perto na mesa do bar, distribuindo sorrisos para qualquer um que viesse, enxergava que ali havia encaixe talhado à mão. O amor deles era assim, transparente. Todas as noites, debaixo do lençol, ouvia-se sussurros apaixonados vindos até o sono chegar, aqueles sussurros eram sempre o mesmo, um desejando estar com o outro o mais breve possível.

Procura-se.



Talvez não caiba a mim encontrar o paradeiro do romance perdido. É que ele não me escapou pelos dedos desatentos, não está ao relento entre o meio-fio e os carros, não se esvaiu junto às memórias de uma madrugada ébria. Me corrói as entranhas cogitar a hipótese de que talvez jamais tenha, de fato, existido aquilo que tenho procurado. Me perfura os pulmões a constatação daquelas coisas que, mesmo quando assumidamente prováveis e esperadas, eu – ingenuamente – negava até o fim que pudessem acontecer: As piores verdades são aquelas que parecem mentira.
Mas então o que é a verdade, se não tudo aquilo em que acreditamos com todas as nossas forças, até o fatídico momento em que não cremos mais? As verdades mudam, e as tuas o fazem numa velocidade que acredito que ninguém seja capaz de acompanhar. Justamente, por medo disso, tratei de despir meus sentimentos de poesia. No entanto, as nossas situações, mesmo nuas de significado, mesmo ceticamente analisadas com a frieza de um cirurgião, teimavam em rabiscar sorrisos na minha cara. Sorrisos que não saíam em água corrente. Mesmo assim, tenho vivido ao pé da letra o ‘dia-após-o-outro’, jamais adornando os dias com os meus costumeiros exageros que conheço bem. É difícil manter os pés no chão enquanto a mente voa.
Talvez o que me compete seja justamente diagnosticar a completa inexistência do romance, ou constatar que trata-se de um bobo conceito hipotético. Uma ideia que nos inspira, que nos motiva, que nos estufa o peito através de um brusco sopro do mais puro nada. Uma isca que nós, mesmo após fisgados sucessivas vezes, seguimos mordendo, constantemente e com convicção. E eu mordi mil vezes e vou morder outras duas mil, justamente por acreditar na ínfima chance de – somente por uma vez – aquilo tudo não ser uma mentira. As piores mentiras são aquelas que parecem verdade.

Hipotermia.



Como é que tu pretendes lidar com isso? Conheço mil formas de se proceder; mais da metade delas parecem mais sensatas, ao meu ver. Nessa constante mudança de mares, tenho fugido para cada vez mais longe da fumaça dessas explosões. Hoje, distante a ponto de te ver como um minúsculo ponto próximo à curva do horizonte, encontro-me às portas de uma nova vida, aquela vida que eu sempre procurei: viver procurando. A memória recente de uma longilínea silhueta ornada pelos iluminados prédios da metrópole, mesmo sendo fruto de um mero retrato imaginário e possivelmente efêmero, tem me guiado para longe da tua guerra. E para cada vez mais longe da terra firme. Aqui a água é fria, e a hipotermia me força a dar braçadas cada vez mais convictas, em sentido oposto ao dos teus passos.

Desistir.



Tenho desistido da ideia de eterna felicidade. Desisti. Os momentos que a gente chama de bons momentos só são chamados assim porque existem também aqueles que queremos esquecer. Bons momentos são bombas de endorfina que amolecem os espinhos que nos insistem em perfurar as partes onde nossa pele é mais fina. E essas partes são muitas, principalmente quando estamos despidos de armadura (sempre?). Tendo isso em mente, faço o que está ao meu alcance para que esses momentos sejam numerosos, visto que eles jamais são duradouros. Endorfina vicia.

De noite, você verá de perto.



Falhas dilaceradas e lamentadas. Vozes espalhadas e bem colocadas. Saudade que consome todo o seu você que não o pertence mais. A vontade de mudar é mutável e em vão.

Dois.



Enterre todos os seus segredos na minha pele. Desapareça com inocência, e deixe-me com meus pecados. O ar ao meu redor ainda parece uma gaiola e amor é somente uma camuflagem para o que parece ser raiva novamente...

Sem você, não.



Só lembro do rosto através do vidro quebrado. Esquecer? Não consigo. Repensar? Não quero. Reviver? Não aguento. Roteiro pros próximos capítulos? Não tenho.

Meu novo lar.



Eu poderia dizer o que já repeti em refrões antigos: que sou “alguém pra ocupar o lugar / de quem não vai voltar”. São palavras que me saltam da língua e param nos dentes, sempre que sinto medo de que você confirme a minha hipótese. Então eu sigo o teu conselho de me ater apenas às tuas ações. E assim eu sigo, tirando da tua boca frases impensáveis, do teu peito, o calor que eu preciso e, da tua vida, tudo que vai de encontro aos teus planos de não me deixar entrar. Aluguei um espaço no teu pensamento e me sinto confortável aqui, embora nada me garanta que eu não possa ser despejado. Se for pra ser, que assim seja: o frio da rua é mais confortável do que um lar onde já não se quer mais morar. E faz tempo que eu me mudei, jogando fora as chaves da antiga morada.

Espinhos.



Amor, tenho de te pedir desculpas. Eu não sei disfarçar, eu não sei caminhar sem o sorriso torto que você escupiu em meu rosto, não mais. Amor, qual é a graça de manter os pés nessa terra depois que você me apresentou lugares tão mais altos? E, meu bem, eu conheço doze personalidades numa pessoa só, mas eu não conheço uma completa. Eu vejo uma pessoa que arde à noite e que tem medo do escuro. Eu vejo uma alma bordada de flores e um coração feito de vidro. Mas eu posso enxergar a crueldade nos teus olhos, eu consigo ver a força que você carrega nas costas. Será que sou a única que sente tua pele ardente e teu coração gélido? Só eu que enxergo uma rosa em forma de anjo que se diverte nas horas vagas cortando os mais desavisados com seus espinhos pontiagudos? Eu fui um dos desavisados, amor. Eu tenho as marcas dos seus espinhos até hoje. Eu tenho uma marca que eu chamo de desejo e uma que me perturba sempre que eu chamo de saudade. A pior é a que eu chamo de veneno. Essa nos mantém vivos. Essa é anestésico, remédio e droga. Essa é a que mais se parece contigo. É tão profundo quanto você e quase tão intenso quanto. Essa com certeza é você.

quinta-feira, outubro 20, 2011

Não me deixe matar você.



Quando Ana me deixou - essa frase ficou na minha cabeça, de dois jeitos - e depois que Ana me deixou. Sei que não é exatamente uma frase, só um começo de frase, mas foi o que ficou na minha cabeça. Eu pensava assim: quando Ana me deixou - e essa não-continuação era a única espécie de não continuação que vinha. Entre aquele quando e aquele depois, não havia nada mais na minha cabeça nem na minha vida além do espaço em branco deixado pela ausência de Ana, embora eu pudesse preenchê-lo - esse espaço branco sem Ana - de muitas formas, tantas quantas quisesse, com palavras ou ações. Ou não-palavras e não-ações, porque o silêncio e a imobilidade foram dois dos jeitos menos dolorosos que encontrei, naquele tempo, para ocupar meus dias, meu apartamento, minha cama, meus pensamentos e todas essas outras coisas que formam uma vida com ou sem alguém como Ana dentro dela.
Quando Ana me deixou, eu fiquei muito tempo parado na sala do apartamento, cerca de oito horas da noite, com o bilhete dela nas mãos. No horário de verão, pela janela aberta da sala, à luz das oito horas da noite podiam-se ainda ver uns restos dourados e vermelho deixados pelo sol atrás dos edifícios, nos lados de Pinheiros. Eu fiquei muito tempo parado no meio da sala do apartamento, o último bilhete de Ana nas mãos, olhando pela janela os dourados e o vermelho do céu. E eu continuei por muito tempo sem salvação parado ali no centro da sala que começava a ficar azulada pela noite, feito o interior de um aquário, o bilhete de Ana nas mãos, sem fazer absolutamente nada além de respirar.
Depois que Ana me deixou - não naquele momento exato em que estou ali parado, porque aquele momento exato é o momento-quando, não o momento-depois, e no momento-quando não acontece nada dentro dele, somente a ausência da Ana.
Porque entre as pontadas na cabeça, o nojo da boca do estômago e os olhos inchados, principalmente às sextas-feiras, pouco antes de desabarem sobre mim aqueles sábados e domingos nunca mais com Ana, vinha a certeza de que, de repente, bem normal, alguém diria telefone-para-você e do outro lado da linha aquela voz conhecida diria sinto-falta-quero-voltar. Isso nunca aconteceu.
Um pouco depois desses dias que não consigo recordar direito - nem como foram, nem quantos foram, depois daqueles dias começou o tempo em que eu queria matar Ana dentro de tudo aquilo que era eu, e que incluía aquela cama, aquele quarto, aquela sala, aquela mesa, aquele apartamento, aquela vida que tinha se tornado a minha depois que Ana me deixou.
Mandei para a lavanderia os lençóis verde-clarinhos que ainda guardavam o cheiro de Ana - e seria cruel demais para mim lembrar agora que cheiro era esse, aquele, bem na curva onde o pescoço se transforma em ombro, um lugar onde o cheiro de nenhuma pessoa é igual ao cheiro de outra pessoa.
Por todas essas coisas, talvez, é que nestas noites de hoje, tanto tempo depois, quando chego do trabalho por volta das oito horas da noite e, no horário de verão, pela janela da sala do apartamento ainda é possível ver restos de dourados e vermelhos por trás dos edifícios de Pinheiros, sempre tenho a estranha sensação, embora tudo tenha mudado e eu esteja muito bem agora, de que este dia ainda continua o mesmo, como um relógio enguiçado preso no mesmo momento - aquele. Como se quando Ana me deixou não houvesse depois, e eu permanecesse até hoje aqui parado no meio da sala do apartamento que era o nosso, com o último bilhete dela nas mãos. Palavras que dizem coisas duras, secas, simples, arrevogáveis. Que Ana me deixou, que não vai voltar nunca, que é inútil tentar encontrá-la, e finalmente, por mais que eu me debata, que isso é para sempre. Para sempre então, agora, me sinto uma bolha opaca de sabão, suspensa ali no centro da sala do apartamento, à espera de que entre um vento súbito pela janela aberta para levá-la dali, essa bolha estúpida, ou que alguém espete nela um alfinete, para que de repente estoure nesse ar azulado que mais parece o interior de um aquário, e desapareça sem deixar marcas.

Que outubro me traga o melhor.



As pessoas seguram uma risada quase de pena. Mas se ele nem morava aqui, mas se ele não ficou mais do que uma semana com você, mas se já faz tempo que ele se foi, sem nunca ter sido.  Então o quê? Nem eu sei. Mas sei da minha enxaqueca que já dura uma semana. Latejando sem parar. O coração que subiu nos meus ouvidos. Gritando que sente falta e pronto. Eu sinto falta de ligar o celular, depois do avião aterrissar, e ter uma mensagem sua dizendo que vai dar tudo certo. E sorrir mesmo estando numa fila gigantesca para o táxi, embaixo daqueles 78 graus do Rio de Janeiro. Não tem poesia nem palavra difícil e nem construção sofisticada. O amor é simples como sorrir numa droga de fila. E não se sentir mais sozinho e nem esperando e nem desesperado e nem morrendo e nem com tanto medo. Eu sinto falta de querer fazer amigos em qualquer festa, só pra conhecer gente estranha e te contar depois. Agora, eu fico pelos cantos das festas. Voltei a achar todo mundo feio e bobo e sem nada a dizer. Porque eu acho que estava gostando mais das pessoas só porque te via em tudo. Agora as pessoas voltaram a me irritar. E eu voltei a ter que fazer muita força pra sair de casa. Quando alguém não entende o meu amor, eu lembro daquele dia que você não queria tocar violão pra mim. Até que dedilhou reclamando que não era o seu violão. Daí tentou uma música conhecida. Tentou uma menos conhecida. Daí tocou uma sua, com a voz baixinha e olhando pro nada. E então me encarou e cantou com a voz alta. E então largou o violão, me encarou e cantou bem alto a sua dor, de pé, na minha frente, e eu achei que meu peito ia explodir. E naquele momento eu pensei que poderíamos ser infinitos se fossemos música. E isso explica tudo, mas ninguém entende. Você entende. Mas cadê você?

Doar, doer.



– É que nessas coisas de amor eu sempre dôo demais…
– Você usou o verbo ‘doer’ ou ‘doar’?
(Pausa)
– Pois é, também dá no mesmo…

Penny.



Ele era… Não sei. Tinha um brilho que vinha lá do fundo da alma, sabe? Um ímã que me atraía e intrigava, tudo ao mesmo tempo. Eu queria tocá-lo, apertá-lo, degustá-lo por inteiro, e sabia que jamais seria o suficiente. Era uma daquelas pessoas que iluminam o mundo só por existir. Palavra alguma teve o poder de encaixá-lo completamente, sempre sobrava algo mais que não poderia ser esquecido. Então pensei que estava sendo real demais, comum demais. Por certo, ele não era real, tampouco comum. Dentro de si morava algo surreal, mágico.

Amor poesia.



Não disseste palavra alguma que me prometesse eternidade, parentesco ou viagens até a lua, mas me fizeste sentir que tudo o que sentia era recíproco, o que por si só, já me levava aos ares. Não fizemos planos à meia luz, mas sei que estou em todos os teus, como estás nos meus. Eu sei que toda a minha lágrima será limpada pelos seus dedos trêmulos de preocupação, assim como sabes que toda sua angústia será sufocada em meu abraço com todo o carinho do mundo. Deixamos para o destino decidir o que fazer conosco. Enquanto ele pensa, nós nos amamos e nos queremos. Você me ensinou da forma mais sorridente e cheia de suspiros que amar é sorrir. E quando me disseste no meio da noite “sussurra o que te faz sorrir”, falei teu nome em voz baixa e sonolenta. Senti seu sorriso iluminar o quarto, e soube que era a resposta certa.

Reflections of a Skyline.


Naufrágio.



Que tolice a tua pensar que o vento sopra de acordo com a sua maré. Seu barco naufragou por entre esses mares perigosos por onde tu andavas com a convicção de que a correnteza traria umas flores de outono de volta. Seu barco afundou, mas ainda tens a esperança de que ele ressuscite; eu sei disso só pelo transbordar de sua alma. Esse seu barco foi para o cais há muito tempo e nem fez questão de me esperar. Como sempre os seus percursos são mal acabados. Começam e de vez em quando se estendem por aí, mas não se arrostam por entre as bordas, tendo o fim de pararem no meio do caminho. Disso tenho certeza porque o seu amor foi sempre pela metade. Beijos sempre mal colocados nessas linhas irregulares do nosso amor, balbucios irritantes sob meus ouvidos. Sempre se esqueceu de colocar as dores para fora. Como de costume, as impregnou no peito, para nunca tirá-las dali. Sempre se esqueceu de compartilhar os momentos de fala arriscada. Como o habitual, teve seus gritos interiores, só para si. Posso te garantir que esses eram os seus defeitos mais asquerosos e únicos, por sinal. E por que eu teria de esperar alguma coisa de você? Nunca me satisfez. Ainda bem que tomei a frente e peguei o meu barquinho e fui só, apenas eu-eu-comigo. Tomei a frente e deixei as civilizações do nosso amor bruto para trás.

If I'm James Dean, you're Audrey Hepburn.



Tenho me perdido nos confins do tempo. Já não sei mais se sou passado, presente ou futuro. Tornei-me confusão. Falta-me a pausa, a vírgula - o fôlego que me encoraja a preencher as linhas vazias. Falta-me o ar. Procurei no guarda-roupa, mas só encontrei palavras desconexas que me tornaram ainda mais confusa. Enrolei o tapete, encontrando apenas marcas de poeira feita em páginas novas. Juntei-as com as palavras, formei frases que me tirassem a confusão. Nada. Ainda me faltava algo. A pontuação! Ora, onde estava? Revirei toda a casa, só encontrei pedaços de mim que me atormentavam. Decidi ir para as ruas. Encontrei você. Nada tinha nos bolsos além de reticências - a continuação jamais terminada. E desde então vivemos assim, eternos.

Coração não é tão simples quanto pensa.



Eu te achava único, das formas mais absurdas e belas. Em todos os lugares te encontrava, e mesmo assim, tinha certeza de que jamais verei alguém como você. Era confuso demais, complicado demais, não entenderias, então deixava para lá, sempre te enxergando em histórias e lugares que sempre teimava que nada tinham de semelhantes consigo. Mas insistia, porque sabia muito bem que te vejo como nenhuma outra pessoa nesse mundo ou em outros conseguirá ver. Via-te mau humorado e impaciente, sabendo que não havia melhor companheiro para me aguentar numa noite sem vontade de sair ou conversar - noites silenciosas eram compreendidas por ti, que tanto sabia dessa minha vontade de ser tudo e não me sentir nada. Via-te arrogante quando pensavas estar certo, com aquele seu olhar de eu-sei-tudo-de-tudo-e-você-nada-sabe. Com a certeza de que nada sabias sobre meu modo de te amar, querendo tudo e tentando não querer absolutamente nada por medo de te assustar. De repente não existe mais fronha colorida ou texto à ser escrito. De repente, estou num mundo onde só existe sua presença e minha vontade de dedicar-lhe esse amor que, apesar de tão humano ser, não deixava de ser belo, de ser nosso. Anulo tudo à minha volta para tentar fazer esse amor caber nessa sala.

Quando você apareceu.



Entrastes em minha vida à passos lentos, de fininho, quase sem deixar rastro no assoalho, e em pouco tempo já via marcas de mãos na parede, meias jogadas no cesto e sua camisa favorita esquecida no abajur ao lado do sofá. E você deixou de se esconder em sua cara de brabo que dizia não-me-importo-com-isso, e passou a usar aquela cara de você-faz-isso-só-pra-implicar que tanto me faz rir e te abraçar dizendo que se não fosses exatamente como sou, não virias. Algumas tardes me pego pensando nos motivos para aceitar sua entrada sem mais nem menos em minha casa. Nos dias em que estás presentes, penso que fora o destino, e nada mais poderia fazer além de permitir entrar na casa que era tua desde muito antes de me conhecer. Eu sinto aqueles braços capazes de aquietar minha alma, vejo aqueles olhos que me pedem carinho tão inocentemente, e sinto aquele cheiro capaz de me acelerar o peito. De todos os laços rompidos, cartas queimadas, noites de sexta perdida na ânsia de encontrar alguém minimamente perto de sua perfeita imperfeição, você chegou. Chegou e te quis. Te quis e me quiseste de volta.

Epifanias II.


Quando já não sei mais para onde te levar, vejo que não sou apenas eu, tampouco apenas você. Somos um só, compartilhando duas vidas entrelaçadas pelo destino - o acaso não seria tão exato assim. E mesmo quando se vai, você não parte. Você permanece - dentro de mim.

Tu e eu.



O mundo nunca girou tão rápido desde que nos perdemos de nós mesmos. Acho que sempre estivemos fadados ao novo começo, você aí, eu aqui. Juntos.

Com certezas.



Quem gosta, gosta. Sem complicações. Sem armações e armaduras.

Amando em um silêncio gritante.



Quando acho que não tenho mais nada pra falar, simplesmente me calo e amo-te quieta, em segredo. Só pra mim.

6h34



Quero a curva silenciosa da tua boca fazer ruído no meu lábior inferior desajustado.

Sua falta.



Um dia eu volto pra falar pra você todas as verdades que terei que inventar pra preencher o vazio que terá que me sustentar durante toda essa ausência.

Aonde está você agora além de aqui dentro de mim?



Sumiu. Sumiu como se o vento tivesse levado. Sumiu o bom, sumiu o mau. Sumiu sem deixar recado. Sumiu sem desligar o rádio. Sumiu sem agonia, ligeiro. Sumiu o bonito e o genial. Sumiu mudo e de repente. Sumiu sem pôr amor. Sumiu em despedida sem adeus. Sumiu em alforria. Sumiu para o desconhecido. Sumiu de todos. Sumiu daqui.

Pois sou tão você.



Senta aqui. Me diz. De onde sai esse pensamento que te escurece, que me descolore em sua frente, ofusca toda a minha imagem e me coloca atrás de paredes? De quantas formas precisaria provar sentimentos, vontades, razões e forças que saem de dentro de mim para que você entendesse que longe ou perto estaríamos sempre juntos? Saiba. Me disseram sobre o tempo, sobre as circunstancias, a distancia e as poucas ocasiões que a gente teria para estar junto. Mas, se em seu pensamento corre a frase "ele não vive comigo". Me diz, pois eu quero te ajudar a sonhar, se lembrar todos os dias que estou vivo em você, assim como bem pertinho, você vive em mim.

Construa-me, desconstrua-se, reconstrua-nos.



Graças aos nossos momentos, aqui estou, em pleno estado de paz, passando a ver beleza em tudo que, em dias comuns, não teria a mínima importância para mim

Vestígios de amor.



Tu chegas e já bagunça o armário, o quarto, a vida. Abre as gavetas e vai tirando vestígios tão seus e meus de que um dia fomos nós. O papel surrado em que dizia que seríamos eternos um no outro. As fotos, já enfraquecidas pelas amarguras do tempo, em que estávamos um no outro, um pelo outro. A sua mais bela escrita que continha os dizeres que logo me arrancavam um sorriso bobo e tolo quando menos se espera. Vestígios, teus, amor. Que vivem, ainda. Ali, aqui, em mim.

Calme aí, por que você causa tanto dentro de mim?



Você é uma possibilidade minha, menino. Possibilidade não verbalizada. Como um sentimento sem nome, feito de uma palavra estranha. Palavra que nunca vai caber em dicionário nenhum, e que ninguém nunca vai inventar. Repetição? Sim. É que eu tento apagar, eu minto pra satisfazer tuas vontades, te pedindo pra não vir. Mas você fica. E vai sempre ficar. Continua existindo, musicado. O inevitável dança aos meus olhos. Aí chega a hora em que distribuo um segredo: o tudo que faltava, talvez seja você. Digo e vou dormir, sem sonho, mas dentro dele.

Rabiscos de gaveta.



O desbotado melancólico paira pelo ar. Faz mais tempo do que eu imaginava. Falta amor no nosso espaço. Talvez este lugar sempre foi assim, mal habitado pelo vazio gritante, e nós é que o preenchíamos. Não sou capaz de abandonar nada disto, fielmente, não ainda. Estou presa, e talvez muito presa, à tudo que se refira ao passado. Mas a saudade fez-se amiga. Ao menos minha amiga. Eu não sei de você. Há algo curioso por aqui. Lembra-se do criado-mudo, não é? É claro que sim, eu sei. Ele não me parece assim, tão deprimido, como o restante da mobília. Pode ser que eu esteja louca, mas parece que ele brilha em meio a opacidade do quarto. Sim, ele brilha. E eu sei porque. Ou talvez, estou te dizendo de antemão, eu esteja inventando, e procurando algum modo de nos encontrar em meio a tanta confusão, eu só não me conformo. Ele brilha, porque lá, bem debaixo do rádio relógio, que nunca marcava a hora certa, tem um bilhete escrito: Bem vinda ao nosso feliz para sempre. Eu até que sinto é muita falta. A letra até ficou um pouco trêmula, aqui, quase no fim.

Paradise.



Por favor, não me ligue. E se ligar, que toque baixinho. Ando numa calmaria impaciente. Essa desesperança terrível. Devo estar afastada do essencial. Eu até esqueci como é abraçar de olhos fechados. Falta viver. Falta viver e só então passar para o papel. Ando dizendo tantas mentiras, percebeu? Sentimento voa longe e diz tchau num sussurro rápido. Nem sei mais o que é olhar nos olhos. Erro tanto. Tão feio. Tão torto. Hoje eu quebro o peito, ligo para a distância. Digo que longe assim não dá, nem tento. Depois me acalmo. Viro mosca morta. Sinto uns ciúmes terríveis de quem nem quer saber de mim. Vejo tudo lá fora tão mais bonito, e com tanta poesia, que nem me dá mais vontade de dar voz ao mundo. Quase desisti. Quase. Talvez esteja dizendo tudo isso para dizer que desisti. Para dizer que procuro tanto amar o belo que estou sozinha. Ah, estou lotada dos conceitos prematuros, dos olhares críticos. Ando dispensando amores perfeitos por capricho. Virei bicho antigo da sociedade. Não aceito nada. Ah, eu vou embora. Eu disse isso tudo apenas para dizer que partirei mesmo. Talvez por um tempo. Talvez nem volte mais. Decidi, vou viver. Mesmo que viver seja olhar o mundo sem pensar em como ficaria lindo num papel. Desisto dos papéis, nem são pra mim. Eu, que nunca soube segurar o lápis com elegância. Eu, que nem tantas palavras e nem tantos sentimentos conheço e vivi. A verdade me doi tanto… Sou uma. Mais uma. Menina-louca-normal-do-século-dos-escritos que, cheia dos sentimentos bobos e comuns, diz. Diz a qualquer um que nem queria me ler mesmo, que é tão pouco amor… que é pobreza demais em tudo. Despeço-me nada arrependida de escrever-te tanto, mas num desânimo terrível… A verdade é que desencanto-me tanto com as besteiras todas e pela metade que fazem questão de saber, sem ler o que faz bem pro coração… Querem tanto dizer que esqueceram de sentir. E pra não ouvir besteira, já atrasada, eu vou. Eu voo. Eu volto. Mas não agora.

Truques e confusões.



- É silêncio?
- Não, minha pequena, são trovoadas de tentações.
- Se são trovoadas por que meu céu está limpo?
- Porque a tempestade está em teu coração, pequena.

Se esconde, menina.



Pega essa tua expressão de susto e coloca no sofá que se esconde na tarde escura de outubro que faz tanto frio.

Epifanias.



Tudo em mim
Anda a mil
Tudo assim
Tudo por um fio
Tudo feito
Tudo pisando macio
Tudo psiu
Tudo em minha volta
Anda às tontas
Como se as coisas
Fossem todas
Afinal de contas

Você, o quê?



Me dei, me dei... Mudei. E você, o quê? Fiz tudo, te dei o meu mundo. E você o quê? Ultrapassei meu íntimo. Fechei meus olhos, os olhos da alma. Decidi ignorar meus padrões. Fiz como pude e como não pude. Do seu jeito fui levando. Por inúmeras vezes te amava mais do que o tudo. E pergunto: E você? O quê? Armei sua lona, fiz seu circo, pintei seu mundo. Aceitei suas verdades intactas, anulei as minhas. E você amor? O quê? O quê você fez? Despedacei meu ego. Me julguei egoísta, fui contra a seu favor. Chorei, chorei, chorei até faltar vazio em mim. Fui no fundo, no profundo do meu âmago. Desconfiei muito, mas confiei demais. E você amor? O quê?

Toda mulher tem um pouco de tudo.


Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, os segredos que guardou, você é sua praia preferida. Você é o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra. Você é a saudade que sente do seu avô, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora. Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, a sensibilidade que grita, o carinho, os pedaços que você junta, você é o que você vive. Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá. Você é o que ninguém vê.