sábado, dezembro 08, 2012

Que friagem nenhuma seja capaz de encabular o nosso calor mais bonito.



Fui pra rua procurar encrenca. Eu precisava de algo forte que me tirasse a palidez. Eu precisava ver gente ou dançar ou cair de joelhos no chão, bem no meio da rua. Assim eu corria o risco de pelo menos alguém se oferecer para me ajudar. Só há notícia quando há um corpo no chão. Ouvir uma piada ou testemunhar um atropelamento, tanto faz, era rir ou chorar, mas, por favor, sair daquela preguiça horripilante de processar a informação.
Eu precisava dar uma volta para resfolegar e terminei a noite no submundo das emoções. A sala está rodando, como o manche de um avião mudando as diretrizes que eu quis pra mim. É assim mesmo, você conhece alguém, tira os pés do chão e sai voando. Como um avião, que quando a gasolina acaba e você sente que está caindo, não há muito o que fazer. Da próxima vez vou de trem. Eu achei que tinha encontrado minha verdadeira vida, meu amor, minha casa e meus cachorros. Como aquele poema que li na adolescência e achei estupendo, e agora na vida adulta não consigo achá-lo. Porque esqueci de anotar o título, o nome do autor, e sequer ousei arrancar a página na biblioteca a fim de deixá-lo amarelar num porta-joias seguro. Mas não. O que eu vivia defendendo na frente dos outros e chamando de estabilidade era só piloto e co-piloto com preguiça e medo de pegar no manche, se amando no automático. Luzes piscam na minha cara e eu fico interpretando o que elas querem me dizer. Quando alguém te trai, você se decepciona e é forçada a partir do zero. Dando o troco você acaba desapontando você mesma, e aí acaba no negativo em termos de enganações. Nunca tinha notado que a lua é tão feia, quando assim, resolve sapatear sobre a minha cabeça. Estou voltando pra casa. Nas mãos fechadas bem forte, há uns trocados que recebi após pagar ilusões inflacionadas com todo o meu amor. Foi o que me restou a oito quadras de casa. Não dá nem para um táxi. Vou andando sozinha rente a um muro alto e sujo. São seis da manhã. Não acho ninguém perdido na calçada pra me contar a que horas nasce o sol em quartas-feiras.

A estrela mais linda, brilha no meu céu.



Senti sua ausência. Quero dizer, minha ausência. Mas foi bom. Se ficar longe foi essa tortura, ficar tão perto não deve ser tão ruim assim. Mas ainda não penso que seja amor, não me convenci disso. É melhor. Sei lá, a palavra “amor” me remete a uma casa, um homem e uma mulher, cachorros, contas a pagar, planos de morar num lugar maior. Não dá pra ser amor entre duas crianças grandes num apartamento de um quarto só, dá? Tem muito mais entre a gente, essa incógnita de dois que sabem que não foram feitos pra durar. Você não quer saber nada do meu passado, eu quero saber do seu, mas você quase não abre a boca, e só diz o que interessa. Mas tudo bem, de verdade. Ou bom ou pra sempre. As duas coisas são incompatíveis. Acho que semana que vem estou pintando aí. Estou com vontade da tua boca. Só me sinto segura perto dela, assim eu sei que ela não está fazendo bobagem por aí. Fez frio esses dias. Você não acha? E olha que já é novembro. Mas pra você tanto faz, nunca vi tão calorento. Seja julho ou fevereiro, você sempre acorda empapado. Anda com algum sonho ruim? É comigo? Se for, não me conta, não quero saber. Dormindo contigo, eu nunca me sinto gelada, pelo menos, adoro acordar de manhã com a lombar cheia do seu suor. Eu saí tanto de mim pra entrar na tua que até me sinto uma estranha dentro de mim mesma. E eu sempre tive medo de estranhos. Entende? Você está aí ainda? Você também deve estar achando patético ler isso. Te conheço. Eu não sei se você também não sabe o que mesmo estamos tanto esperando para nos encontrar.

Ser humano é a coisa mais solitária do mundo.



Fica no meu sofá, bufando mais um pouco, dando oxigênio pra minha esperança. Fica e me pede qualquer coisa, água, meus pés pra caminhar, mais um pacote de doritos, um strip-tease, em casamento. Não dê conselhos. Não tenha recordações. Não queira ir em festas. Não assista futebol. Não pergunte as horas. Não crie teorias a respeito de nós. Não lembre do seu afilhado. Não pense sobre onde está indo isso. Não ligue pra sua mãe. Não fale dos seus medos. Não ame mais ninguém.

Vermelho. Assim.



Aos ramos, despencam da sacada como lágrimas,
olham a despedida que seus lábios fazem
enquanto eu peço um último beijo - por favor
para estancar a saudade que chega antes do fim
e a ferida no peito que deixa o sinal. Vermelho.

Inteira, meu bem. Antes de ser eu, sou tua.



O cheiro do teu corpo persiste no meu durante dias. Guardo, preservo, cheiro o cheiro do teu cheiro grudado no meu. E basta fechar os olhos para naufragar outra vez e cada vez mais fundo na tua boca. Abismos marinhos, sargaços. Minhas mãos escorrem pelo teu peito. Gramados batidos de sol, poços claros. Alguma coisa então pára, todas as coisas param. Os automóveis nas ruas, os relógios nas paredes, as pessoas nas casas, as estrelas que não conseguimos ver aqui do fundo da cidade escura. Olho no poço do teu olho escuro, meia-noite em ponto. Quero fazer um feitiço para que nada mais volte a andar. Quero ficar assim, no parado. Sei com medo que o que trouxe você aqui foi esse meu jeito de ir vivendo como quem pula poças de lama, sem cair nelas, mas sei que agora esse jeito se despedaça. Torre fulminante, o inabalável vacila quando começa a brotar de mim isso que não esta completo sem o outro. Você assopra na minha testa. Sou só poeira, me espalho em grãos invisíveis pelos quatro cantos do quarto. Fico noite, fico dia. Fico farpa, sede, garra, prego. Fico tosco e você se assusta com a minha boca faminta voraz desdentada de moleque mendigo pedindo esmola neste cruzamento onde viemos dar.

sexta-feira, dezembro 07, 2012

E o medo e o desejo acabam brigando de soco dentro da gente.




Eu queria ter coragem pra dizer que não te amo mais, só pra te machucar, pra te ver sofrer um pouco. Mas me deixo quieta, não posso correr o risco dessa frase ser tudo o que te faltava. Chama um táxi, enquanto me faço de ofendida e checo no espelhinho de bolsa a tristeza leve das minhas pálpebras roxas. Outra vez é quinta-feira e a expressão “programa com você” tem um gosto amargo de duplo sentido. Do amanhã já sei de cor. Vou embora em salteado.
Só queria dar o fora. Em ti, daqui, de qualquer lugar. Aonde eu não tenha estômago pra ser uma dessas mulheres que gostam de arrastar um bonde e a cara no chão. Tudo em nome de uma coisa que faz todos gargalharem ou fazer uma cara de dó se arrisco chamar de amor. Isso não é amor, criatura de deus. Quem sabe de mim sou eu, repito pra mim. Eles não sabem, mas eu sonho um dia gostar menos de ti e ninguém nesse mundo me ajuda tanto pra que isso aconteça, senão você. Cada passo em falso seu pra me perder, insisto cada vez mais te querer.
Sai de mim, eu penso olhando o povo, as vitrinas e uns cartazes com aquele seu meio riso da janela do meu ônibus. Mas se eu não quero um filho com buraco no queixo, barba encravada, camisa furada nas costas, cantando “Don't Let Me Down”? Se eu não quero mais passear de mão e passar vergonha na frente dos outros? Se eu te odeio tanto, porque eu gosto mais de mim contigo por perto? Então? Quero o quê? Pronto, não dá mais. Eu me decido.
Aí, basta um pio e eu largo tudo apitando, pondo a razão a perder. O valor do meu silêncio é inversamente proporcional pra nós dois. O centavo que te faz voltar é o ouro que me compra. Os hematomas nas minhas coxas, ombros e calcanhares são todos culpa minha, apesar das suas impressões digitais. Não se engane, fosse uma surra física seria tão mais fácil, mas não, são apenas brincadeiras de mau gosto. Tapas, mordidas e vergões são suas marcas registradas mostrando que meu coração vazio é meramente ilustrativo. Entre nós, o sexo e a dor não podem ser vividos separadamente.
Fora a falta que sinto das suas roupas penduradas e do queixo torto de reprovação toda vez que ponho a Maria Rita pra tocar, eu tenho um oceano de inveja sua. Da sua força em arriscar o baita azar de me perder quando eu não ouso nem procurar outra boca pra ver se minha sorte muda pro lado mais distante dos seus bocejos se falo de algum medo meu. Eu preciso te extraditar do meu horizonte, do meu pensamento ilimitado, da minha cabeça sempre a prêmio.
Quem te viu ontem, rindo desgraçadamente da penca de peripécias amorosas na mesa de um bar qualquer, não te vê hoje, em sonhos saciados à luz do corujão e meu zelar incrédulo perguntando pras paredes creme o que eu faço contigo, com isso, comigo, daqui a pouco, quando o sol sair a pino. Jeito de menino, bom filho, pseudo e péssimo namorado, amante profissional. Difícil é separar seus predicados do sujeito simples, dono da minha oração de cada domingo empapando o travesseiro.
Então eu rezo. Sai de mim. Sai de mim. Sai de mim. Quero uma coisa nova, mas pra me suar as mãos e enfraquecer as canelas, você ainda é o que há de mais inovador. E é isso que me mata aos poucos: juntos, a gente dança disforme à música. Um pra lá, um pra cá, e seu corpo me chama pra dançar. Vou, não nego. Mas na manhã seguinte, quando segue o baile, estou sem par outra vez.

A gente vira dor para não virar fim.



No instante que me iludo, é quando você me esquece. Quando volto à tona, você mergulha nos meus olhos. Se eu te roubo rosas vermelhas, você faz "bem-me-quer". Quando hesito, é quando você já está na estrada.
Se me perco no teu beijo, você fica tentando encontrar um caminho. Quando me encho de receio, você me diz estar pronta. Eu te ponho em xeque-mate, você me diz que cansou de jogar. Quando não quero me machucar, você me telefona no meio da noite.
Eu vejo o sol nascer no mar, você se preocupa em não molhar os pés. Quando eu não durmo, é quando você sonha loucuras sobre nós dois. Quando sinto teu gosto na minha boca, você pede economia nos clichês. Se não quero parecer patético, você se diz um poema apaixonado.
Eu quero parar o tempo, você procura seu relógio embaixo da cama. Quando me escondo, é quando você me quer em cima de você. Se apresso meu passo na sua direção, você engata a marcha ré. Quando reuno meus pedaços, você dá o coração para bater.
Eu deito no seu colo, você se preocupa em fechar a janela. Quando me poupo, é o instante que você se dá de graça. Se ando em alta velocidade, você conta os níqueis pro pedágio. Eu perco as chaves, você insinua mudar pro meu apartamento.
Um amor físico, fatídico, real, raro e patente. Um amor que nasceu, mas nunca viveu. Um amor que aconteceu, mas não foi ocupado. Daquelas comédias românticas que ninguém tem tempo de rir, pois já começa pelo final. Os amores mais bonitos são aqueles que nunca foram usados.

Vamos falar de... amor.



Quando a gente gosta, a gente começa emprestando um livro, depois um casaco, um guarda-chuva, até que somos mais emprestados do que devolvidos. Gostar é não devolver, é se endividar de lembranças.

Pestis eram vivus - moriens tua mors ero.



Lamento, mas não sou de despedidas, não gosto de dar um tchau ou um adeus assim, da boca pra fora, prefiro um até logo, esses outros me parecem muito definitivos, sem volta, daqueles que se dizem pra quem nunca mais quer ver, ou pra quem já foi e não volta mais; e eu gosto disso, dessa possibilidade da volta, dessa falta de despedidas, dessa sinceridade das palavras…

No vazio cabe um monte de coisa, mas nenhuma se encaixa. Todas deslizam pelo rio de lágrimas que inundam todos os meus andares vazios.



Cá entre nós. Você só está aqui comigo por segurança e nostalgia, porque fiz parte da sua vida num passado distante que não volta mais… Talvez você esteja aqui comigo pelos motivos errados, tentando resgatar um fulgor escasso na década… Eu cresci, me modifiquei, ganhei algumas rugas, tirei lições, tenho um punhado de experiência, e até agora ninguém entrou com pedido de beatificação. Conheço bem você. Procura uma foda rápida, mas precisa mesmo de um novo amor. Eu não sou essa pessoa que você está procurando. Não voltei para salvar você. Nunca mais li poesia pra ninguém.

Tudo ao meu redor quem é que trouxe?




Não se envolva com alguém que transborda sentimentos: pessoas assim costumam carregar uma bagagem de dores maior e mais pesada. Não se envolva com quem raramente diz algo, mas que quando escreve fala demais. Nem com quem lê muito, escuta ou observa as coisas minuciosamente. Essas pessoas possuem uma imaginação aguçada, com palavras e raciocínios que só quem faz parte deste mundo é capaz de compreender. Quem para pra ouvir, em dias atuais, é considerado um louco que joga grande parte do seu tempo fora. Não se envolva com um louco. Loucos admiram estrelas e contemplam a beleza de uma flor. Loucos sorriem com os olhos e sussurram palavras doces com o coração. Não se envolva com quem possui um coração. Esse órgão causa os mais dolorosos e difíceis problemas imagináveis - e não me refiro apenas à doenças cardíacas. Pessoas que colocam a emoção na frente da razão costumam se decepcionar em uma escala cada vez maior. Não se envolva com alguém que demonstra o que sente mais de cinco vezes ao dia. Quem muito demonstra, muito possui guardado no peito. Não se envolva com quem te guarda no peito: essa prisão é perpétua. Não crie laços com uma pessoa que planeja ter a corda inteira. Não se envolva com quem goste mais de você do que de si própria, quem te coloca na frente de qualquer um ou quem te enxerga melhor do que qualquer outro ser humano comum. Mas, definitivamente, não se envolva com quem realmente te enxerga. Digo, com quem quebre a sua casca protetora e te conheça por dentro e, como se não bastasse, goste do que encontre por lá. Se envolva com qualquer uma te satisfaça por uma noite e não se importe em perguntar o seu nome na manhã seguinte, mas não com uma que anule todas as outras e te coloque no tempo verbal do futuro. Se envolva com quem valha um sábado inteiro em frente ao espelho ensaiando diálogos planejados. Com quem te queira por um mês, mas não por uma vida inteira. Não se envolva comigo.